rivista anarchica
anno 31 n. 274
estate 2001


Argentina

Tango inclinado
di Massimo Annibale Rossi

O Microcentro de Buenos Aires parece um pedaço importado de Hong Kong. Um festival de letreiros luminosos, golfadas de músicas arrogantes saindo de lojinhas e porões; a cada seis passos meninas amedrontadas entregam folhetos publicitários. Um aparato criado para depenar pelotões de turistas e compradores que contrasta com a mingua das vendas atuais. Última chama do otimismo do período de Menem, forçada corrida à procura de um bem estar que havia e não há mais, o calçadão perde o seu status. Inoxidáveis, animados por uma assustadora capacidade de réplica do idêntico, proliferam os clones dos Mac Donalds e das empresas telefônicas. Os primeiros souberam fornecer em altas doses a receita norte-americana do hambúrguer ao reservatório de carne do planeta. As segundas, divididas entre Telecom e Telefonica, fingem disputar o mercado. Apesar de celulares, instalações domésticas e públicas dominem o mercado, surgem em toda parte centrais telefônicas oferecendo cômodos e luminosos orelhões a preços exorbitantes.
A Argentina, terra de recente imigração e imensas riquezas, perseguiu tenazmente o mito do primeiro mundo. O custo da venda desbaratada dos recursos ao capital multinacional foi compreendido somente com o fim dos governos de Menem. Três anos derecesso ininterrupto revelaram a face oportunista e utilitarista dos investimentos estrangeiros. Nos últimos meses o andar da crise e o rápido alternar-se de ministros no Ministério da Economia alarmaram os mercados, fazendo crescer o índice mais temido, o "risco país", a níveis recorde. Parece ter servido pouco a inclusão do superministro com poderes excepcionais Cavallo, astro da gestão anterior. Grandes cerimonias, discursos apocalípticos, síndrome do Titanic acompanharam a coroação dele como o salvador da pátria. Poucos foram os que frisaram o quanto esta mudança tenha representado uma violação do direito de representação. Nas eleições de 99 apresentaram-se 2 coalizões contrapostas. Aquela vencedora trai seu programa e seus eleitores cooptando a ex-antagonista e fazendo própria a sua política econômica. O partido de Cavallo, Ação para a República, apoiará o governo nos próximos meses, mas votará com o bloco peronista nas administrativas...
Cavallo, um tempo venerado como artífice do milagre argentino, peregrina de uma corte a outra da finança internacional, procurando aprovação. Mas as aclamadas leis do mercado desencadeiam agora a sua implacável lógica contra as engenhosas argumentações do superministro. A Argentina não é mais confiável... Cavallo lembra como muitos dos atuais descontentes tenham acumulado fortunas nos anos gordos, todavia o aproveitamento é alheio à gratidão. Por outro lado, que as multinacionais continuem obtendo abundantes lucros é um fato. As empresas petrolíferas estão perfurando a Patagônia, ignorando as mínimas regras de segurança e de impacto ambiental. Os preços nos mercados com alto valor alcançado - veja telemática - são mais altos que na Europa. Aquedutos, eletricidade, transportes, estradas estão "finalmente" em mãos privadas. É um pecado que com o aumento dos preços, setores inteiros se encontraram excluídos do mecanismo de consumo, restringindo a área.
A queda do poder aquisitivo das classes mais baixas é avaliada em 20% em relação à metade dos anos 80, à qual se soma um 20% já acumulado na década precedente. Em uma recente entrevista, Eduardo Bustelo1, ex viceministro do desenvolvimento social da Aliança, pontuava a evidência em termos estatísticos. Bustelo define a dinâmica atual "una novela de terror". Os índices, 12% de pobreza e 3% de indigência, colocavam a Argentina de 1960 em níveis europeus, incentivando as ambições primeiro-mundistas. Os dados resultam hoje triplicados: uma massa de pobres de 35%, à qual se soma 10% de indigentes. A linha de pobreza está estabelecidanos 155 dólares mensais por adulto. Um transporte urbano custa 1 dólar; um litro de gasolina 1,2 dólar; um jornal 1,6 dólares. Nesta situação -crise aguda /alto desemprego - aumenta a economia informal. Há operários dispostos a trabalhar por 200 dólares mensais; as famílias reduzem-se a uma existência de subsistência.
O estado de espírito é marcado pela depressão. O declínio, dos anos 60 para cá, foi impossível deter: o alternar-se das ditaduras, o agravar-se das tensões sociais, o retorno de Peron, o horror inigualável do governo militar. Alfonsin representou uma esperança; a esperança. Todavia a economia foi arrastada pelo turbilhão da hiper inflação. A inflação em 1989 alcançou 2000%. E eis o homem da providencia, eis que Cavallo toma frente com o Plano de Dolarização. A estratégia parece simples e direta: vincular o exausto austral à moeda forte do continente com um câmbio fixo de 1 por 1. A espiral é bloqueada, a economia começa a crescer; chegam os tão esperados investimentos estrangeiros. Os problemas voltam a se agravar com o aumento do valor do dólar e com o desenvolvimento do mercado global. Na segunda metade dos anos 90 o Brasil, que havia adotado uma estratégia paralela, decide voltar à flutuação. Nos dias de hoje um peso vale 2,2 reais. Começa a ser conveniente investir e produzir em países de moeda desvalorizada, logo, importar na Argentina. A periferia industrial de Buenos Aires está cheia de estabelecimentos e oficinas em desuso.
Microcentro, Calle Florida: 23:00 de um dia qualquer. Os Mc Donalds já fecharam, as companhias telefônicas fecham as portas. Como se alguém tivesse ordenado a retirada, as ruas se esvaziam em poucos minutos. Chegam os indigentes; aqueles para os quais os funcionários do governo tiveram que criar uma inédita linha divisória: abaixo dos 60 dólares mensais. "Mas como se pode viver com dois dólares por dia?". Basta pararmos aqui por um pouco mais de tempo que os outros para entendermos. Come-se lixo. Famílias inteiras, clãs, grupos de todas as idades e cor lançam-se sobre os sacos de lixo na mudança da hora. Os mais disputados são os Mc Donalds: o trabalho é meticuloso, o critério é o direito do primeiro que chegou. Discussões e incidentes são raros, a concentração e a organização marcantes. O recolhido, em grande parte, come-se ali mesmo, os olhos de quem esperou o dia inteiro. Os sacos são totalmente revirados, extraindo comestíveis e materiais úteis, depois fechados com cuidado. Com a instituição há um tácito acordo: até que os basureros não criarem problemas, não serão incomodados.
Um almoço em La Paz pode revelar-se indigesto. É costumeiro que crianças esfarrapadas aguardem do lado de fora do restaurante para obter os restos da comida do turista. Se têm sorte, e o gringo sente-se indisposto, conquistarão uma coxa de frango, se têm azar, um pontapé do garçom. Os bolivianos foram sempre considerados com altivez pelos argentinos: "Aqui, não tínhamos nunca visto; aqui, nunca pensaríamos que pudesse acontecer...". O plano, todavia, permanece inclinado e a nada parecem servir as garantias e os tour de force do transpirado superministro. A classe média vai minguando e perdendo cada vez mais o próprio poder aquisitivo; os olhares começam a voltar-se para outros lugares.
Consulado Italiano de Buenos Aires, 10 horas de um dia de semana qualquer. Uma fila silenciosa aguarda em frente a uma, majestosamente trancada, porta blindada. Um cartaz adverte que por razões de "incidentes condenáveis", os funcionários receberão os aspirantes a cidadãos mediante hora marcada. De qualquer maneira, com ou sem passaporte, todos fora. Um segurança com ar marcial organiza o acesso. Na Argentina a metade da população tem uma raiz italiana.É suficiente comprovar a naturalidade de um avô, de um bisavô, para obter a dupla cidadania. Os ítalo-americanos representam um reservatório potencial de 5.000.000 de votos. A direita há muito tempo está insistindo no tema da prioridade dos italianos no exterior, no direito de imigrar e de obter casa e trabalho. É a nova frente da cruzada "lega-fascista" contra os extra-comunitários.
A imagem do "Bel Paese" é idílica, o mito, o poderoso nordeste. Nem todos, na longa fila em frente ao consulado, pensam do mesmo modo. O vínculo com a íntima vitalidade, com a poesia triste e musical desta cidade pode ser muito forte. O problema é a esperança.
Sensação comum é a de estar em um beco sem saída. De um lado uma gigantesca, hipertrófica dívida, que deixando de lado as análises e promessas dos governos que sucederam-se à ditadura, não fez outra coisa a não ser crescer. Os funcionários do Fundo Monetário são reverenciados, nunca contraditos., sábios professores na cabeceira de um moribundo. "A pressão?"; "a urina?"; "os exames?". Apesar das curas e prescrições terem sido rigorosamente seguidas, a saúde do doente continuou a piorar. No dia 21 de abril, quando já se assanhava Cavallo, o risco país já alcançava cotas de 1284 pontos. A Argentina disputava oápice da escala latino-americana com o Equador, país que recentemente aprovou a dolarização. O FMI encalça e não concede ilusões: se se pagará, se se continuará a consumir-se de sacrifícios, não acontecerá nada, ou melhor, a situação manter-se-á estável. O paradoxo está contido nas projeções econômicas do instituto levadas a público no mês de fevereiro2. A dívida, em 2002 deveria passar de 156 bilhões de dólares a 162, o desemprego diminuir miseráveis 0,5%. Se as coisas estão neste ponto, perguntam-se em muitos, "por que pagar?"
"A Argentina cumprirá seus compromissos"; "A Argentina cumprirá seus prazos"; "não se tocará na dolarização". As declarações tornaram-se obsessivas e a repetitividade evidencia suas fraquezas. Jogadas as últimas cartas, esta se avaliando a possibilidade de assegurar a prioridade dos pagamentos sobre as pensões e salários públicos. Vale dizer, garanti-los sobre a fome e a sobrevivência das pessoas. O projeto de dolarização registrou nos primeiros anos resultados notáveis mas foi concebido em uma fase de baixo valor do dólar. A progressiva valorização da moeda norte-americana arrastou o peso estimulando a importação e colocando tendencialmente produção argentina fora do mercado. Neste meio tempo a hiper privatização hipotecou as riquezas naturais do país e vendeu as suas infra-estruturas. A vida, tanto nas cidades quanto nos campos, tornou-se cada vez mais complicada. Largado à livre competição, o setor de transporte público registrou uma proliferação de empresas. Em uma cidade como Buenos Aires existem dezenas de empresas que gerenciam os meios de transporte coletivo o que rende impossível realizar um plano completo. Para complicar, ha possibilidade dos empreiteiros cederem ou trocarem-se as linhas, modificarem os percursos, ou simplesmente, suspenderem-nos em função de dificuldades econômicas. É regra os usuários não serem avisados previamente.
Um discurso paralelo diz respeito ao transporte nacional, quase totalmente rodoviário. A rodoviária de Buenos Aires e impressionante. Infinitos corredores e salas de espera para as centenas de empresas que ligam a capital ao seu vasto território. Para chegar a um mesmo destino pode-se valer de oito diferentes companhias. Isto leva a ou confiar na casualidade, ou realizar uma extenuante operação de comparação de preços e de condições, freqüentemente, muito diferentes entre si. Na Argentina existia uma rede ferroviária bastante extensa, construída pelos ingleses ao final do sec. XIX. Com a racionalização parte das linhas foram abolidas e optou-se pela rodovia. O trem representava o meio mais econômico por excelência, o meio das classes pobres.
Ingeniero Jacobacci, Patagônia, província de Rio Negro. O trem não passa mais há alguns anos, mas as pessoas do interior ainda esperam seu apito. O planalto é desolador, quase desértico; lugar para lobos e pastores. E entre os lobos, as companhias locais de transporte. Um trajeto de mais ou menos cem quilômetros custa em torno de 15 dólares, soma impensável para a maioria dos moradores. Com a dificuldade de locomoção proliferam as especulações. Um saco de farinha pode custar 50% a mais do que na capital da província. Alguns abandonam o lugar, outros mantém-se firmes; alguns pensam que o trem voltará a correr em direção à cordilheira.
Opinião geral é que a privatização das estradas encheu a carteira dos investidores. Agora o pedágio é pago em toda parte, independentemente da tipologia, das características e do estado das vias de comunicação. Neuquém é capital de homônima província. É a porta da Patagônia, distante 1200 quilômetros da capital do país, projeta-se em uma desolada planície. A 15 quilômetros surge Centenario, cidadezinha de 25000 habitantes. Os dois municípios estão unidos por uma provincial, privatizada recentemente e consequentemente munida de postos de cobrança. Para irem até Neuquém os habitantes de Centenario tem que pagar seja na ida que na volta. Aspectos da privatização quereportam mais a um passado distante que ao futuro de livre mercado. Reportam a épocas em que atravessar uma ponte, pegar uma estrada, significava pagar um pedágio ao suposto proprietário.

Massimo Annibale Rossi
Tradução: Desirée Tibola

1. Hace falta una voluntad política, Cash suplemento de Pagina/12, Buenos Aires, 4/2/001.
2. Datos publicados en Pagina/12, La salida era una puerta giratoria, Buenos Aires, 20/2/01.